terça-feira, 5 de março de 2013

ÉTICA NA SAÚDE - CONCEITO E MODELO DE ÉTICA


Aula 1 - Conceito e modelo de ética

Observe bem o trecho da entrevista com Mário Sérgio Cortella no Programa do Jô, sobre Ética e Moral.





Iniciaremos nossos estudos estabelecendo a diferença entre os conceitos de ética e moral. Veremos como, apesar de estarem intimamente relacionados, estes conceitos possuem diferenças bem definidas.

Em seguida, faremos um breve histórico do desenvolvimento histórico da Ética nas sociedades ocidentais. Veremos suas origens na Grécia antiga, a evolução para a ética cristã e em seguida para a chamada ética moderna que perdurou dos séculos XVI ao século XIX.

Por fim, analisaremos a ética contemporânea, profundamente influenciada pela globalização e pelos sistemas econômicos e o relativismo ético, produzido pelo novo modelo de ciência e algumas de suas características.

Conceitos de ética e moral

O termo ética deriva de éthos, que significa modo de ser, e, por isto, define-se com frequência a ética como a doutrina dos costumes ou hábitos adquiridos pelo homem. Aristóteles tornou a ética uma disciplina autônoma no domínio da filosofia moral. Para ele, o campo ético deveria investigar as características do bem, da perfeição e da felicidade que são atribuídas ao homem, com o fim de ajustá-los à orientação prática da conduta humana. Ele considerava que toda “ação humana está orientada para a realização de algum bem, ao qual estão unidos o prazer e a felicidade”. 
A conceituação de moral, por sua vez, abrange os costumes, ou seja, representa o conjunto das regras de conduta admitidas numa época ou por um grupo de homens. Ela distingue-se do que é investigado no campo ético, na medida em que “este último domínio se ocupa de uma moral ligada aos fatos, incorporando valores aceitos pelos homens ao se inter-relacionarem socialmente” (SKLAR: 2008). Seguindo este sentido, a ética pode ser compreendida, como propõe Sánchez Vázquez (2002, 23), de “teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade”.

O ato moral, portanto, provocado por um ser humano real e contextualizado historicamente, deve ser avaliado sob o código moral que vigora na sociedade daquele que promoveu a ação. 

Ética grega

Antes de Aristóteles, encontramos precedentes para a constituição de uma ética filosófica. Entre os pré-socráticos, por exemplo, Heráclito utiliza o vocábulo éthos para situar a condição do homem “como aquela que necessita de um lugar” ou “morada”, definindo um “modo de estar” no mundo (KIRK, RAVEN, SCHOFIELD:1994). Demócrito mostra a virtude sob a busca de um equilíbrio interno diante do movimento das paixões. O saber e a prudência seriam, assim, essenciais, pois ensinariam ao homem de que modo ele deveria viver, conseguindo a felicidade. 
A reflexão ética autônoma no mundo grego aparece apenas com Sócrates que, combatendo os sofistas, acreditou na estabilidade das leis, dos princípios verdadeiros e universais das normas, conferindo a elas um valor intrínseco. A partir dele, o termo ética se afasta tanto do sentido originário de morada quanto de equilíbrio das paixões, tal como Heráclito e Demócrito respectivamente entendiam. Este avanço foi possível sob a elaboração de um método, denominado maiêutica, que levasse os diversos cidadãos a uma vida virtuosa. 
Com Aristóteles, a ética torna-se uma disciplina filosófica. Sua filosofia critica o dualismo ontológico de Platão, isto é, a separação dos mundos sensível e inteligível. Para Aristóteles, existe uma correlação entre ser e bem. O bem se relaciona com a essência de cada coisa.  O objeto da ética consiste em investigar as características do bem, da perfeição e da felicidade que são atribuídas ao homem, com o fim de ajustá-los à orientação prática da conduta humana. Segundo Aristóteles, o homem deve contentar-se com o ser e o bem que possui, pois está limitado, essencial e temporalmente, pela sua substância mortal e corruptível. O conceito de realidade, assim, condiciona a formulação da ética aristotélica, dominada por um relativismo radical. Ele considera que toda ação humana está orientada para a realização de algum bem, ao qual estão unidos o prazer e a felicidade.
Aprofundando a busca de conhecimentos universais, Platão atribui à formação de conceitos socráticos não só um valor mental, lógico e abstrato, mas um valor também ontológico (parte da Filosofia que estuda o ser em si), considerando-os objetos de pensamento e situados numa dimensão superior ao universo físico percebido pelos sentidos. Desta maneira, a realidade fica dividida, para ele, em dois mundos distintos e contrapostos: um, superior, invisível, eterno e imutável das ideias subsistentes, outro, físico, visível, material, sujeito à transformação. A ética platônica gira em torno da aspiração dos homens à felicidade. 

Ética cristã e moderna

A esta nova ética denomina-se teonomia (théos, em grego, significa Deus). Estes pensadores aproveitaram as doutrinas gregas das virtudes e da correspondência do bom ao verdadeiro, agregando-as ao corpo de uma ética cristã, negando, por outro lado, fundamentos éticos naturalistas e hedonistas, incompatíveis com as ideias morais cristãs. Considerando, ainda, que o homem é um peregrino que se prepara para uma vida futura ultraterrena, rejeitaram a busca da felicidade (eudemonia) que caracterizou grande parte do pensamento grego. Ironicamente, no entanto, a ética cristã de igualdade é lançada no momento histórico em que os homens conhecem as maiores desigualdades: a divisão entre escravos e homens livres, ou entre servos e senhores feudais. 
No século XVIII, marcado pelo movimento intelectual denominado de Iluminismo, exalta-se a capacidade que tem o homem de conhecer e agir por uma luz própria da razão. A este respeito, ressalta a obra de Immanuel Kant, para quem a consciência cognoscente ou moral é suscitada em um homem ativo, criador e legislador. Na Crítica da razão prática, e na Fundamentação da metafísica dos costumes, ele descobre princípios racionais na vida prática dos homens, compreendendo como certos costumes podem orientar as ações humanas. Segundo afirma, a vontade é verdadeiramente moral quando é regida por imperativos categóricos – referem-se a ações objetivamente necessárias, em que suas realizações estejam subordinadas tanto a fins quanto condições; a moralidade, neste sentido, diz respeito ao fundamento da bondade dos atos, averiguando em que consiste o bom. 
A resposta kantiana: o único bem em si mesmo é a boa vontade, aquela que age por puro respeito ao dever, visando sujeição do homem à lei moral – autonomia humano-moral. O dever torna-se, nesse quadro, incondicionado ou absoluto, abrangendo algo que se estende a todos os seres humanos em quaisquer tempos ou condições.
Duas outras importantes contribuições para o domínio ético são encontradas ainda no século XIX: Friedrich Nietzsche e de Franz Brentano. O primeiro, analisando os valores da cultura europeia, os vê encarnados no cristianismo, socialismo e igualitarismo democrático e sustenta que são formas de uma moral a ser superada mediante a formulação de um ponto vista além do bem e do mal.

Já para Brentano, seria possível se estabelecer leis universais de caráter axiológico, na medida em que há um subjetivismo ético que se relaciona a uma teoria objetiva do valor. Este é enunciado sob atos de preferência (valorização) ou repugnância (desvalorização); assim, a experiência que algo seja bom inclui um aspecto subjetivo (para alguém) e a intenção que leva um homem a preferir algo.

Ética contemporânea e relativismo ético

As discussões sobre as questões a respeito do conceito de bem supremo, ou os debates sobre se o bem é o bem individual ou coletivo, se parte do particular para o geral ou vice-versa, têm encontrado certo consenso no sentido de que o bem só é possível quando compartilhado ao nível social. Assim, o ético se faz a partir do todo social e não a partir da ação individual.
Deste modo, torna-se necessária a noção de uma equidade cultural que possibilitaria a uniformidade de valores e consequentemente em uma única subjetividade de valores morais e sociais que uniformizasse também as expectativas e os desejos individuais. Caso contrário, esta posição seria utópica e desprovida de valor prático uma vez que o bem se relativiza a partir do valor cultural que o fundamenta como um bem próprio e típico do ponto de vista de uma dada Cultura. Estes ideais são direta ou indiretamente a raiz do que se convencionou chamar de Globalização.
As atuais políticas governamentais têm pautado suas bases de atuação em critérios que desconsideram a necessidade de integração entre os diferentes níveis de desenvolvimento e negado os aspectos necessários à construção de um projeto social mais voltado para um futuro harmonioso nas relações sociais.

*A Globalização tem tido diversos efeitos sobre os sistemas de organização das sociedades, seja ao nível econômico, seja ao nível ideológico e cultural. Dentre estes efeitos, destaca-se o aprofundamento de uma ética industrial na qual o desenvolvimento econômico se sobrepõe ao desenvolvimento social.

A Ecologia Social, integrando os estudos do homem e de seus ecossistemas através da compreensão da direta correlação entre natureza e cultura, demonstra que as relações deste com a sociedade passam necessariamente pela sanidade de suas relações não só com os demais membros de sua espécie, como também pelo modo relacional que estabelece consigo próprio e com seu ambiente. O esfacelamento deste conjunto inviabiliza qualquer tentativa de desenvolvimento.
Diversos autores, nos mais variados campos do conhecimento, têm ressaltado a importância de estabelecer-se uma relação ética com os recursos sociais, humanos e naturais que reponha uma hierarquia de valores morais e filosóficos como parâmetros do desenvolvimento. Félix Guattari, em seu livro As três ecologias, alerta para as consequências daquilo que ele considera como “o império de um mercado mundial que lamina os sistemas particulares de valor, que coloca num mesmo plano de equivalência os bens materiais, os bens culturais, as áreas naturais.” Para outros autores, os desenvolvimentos social e cultural estão mais diretamente associados à instituição de uma ética social. 
Não há desenvolvimento social sem antes a formação de uma ética que baseie os pressupostos fundamentais de uma sociedade e, todo o problema do desenvolvimento, segundo estes autores, reside justamente na ausência desta ética por parte, não apenas dos governos, mas também do próprio modelo de ciência que arbitra o sistema teórico de sustentação das políticas governamentais. 
Este relativismo ao qual Bookchin se refere, fundamenta-se nos desdobramentos de um novo modelo de ciência mais relativista que tem nas últimas décadas se firmado como a base teórica não apenas para o meio acadêmico, mas também, através dele, para a própria concepção de mundo e de sociedade. Este novo modelo, se como diz Bookchin, relativizou a ética, teve o mérito de libertar as ciências de uma perspectiva positivista de mensuração e “absolutismo” que nivelou teorias e ideologias sociais que equiparavam sociedades distintas por um único modelo econômico, político e social. A questão, portanto, reside em conhecer-se que modelo ético está sendo gerado nas sociedades modernas como consequência desta nova ciência e qual sua relação com o desenvolvimento. Pois, só através dele, compreenderemos os novos rumos do desenvolvimento social.

Veja estes exemplos de comportamentos antissociais:

  • Roubar;
  • Copiar o trabalho de um colega;
  • Fumar maconha;
  • Trair seu marido ou esposa;
  • Aceitar suborno;
  • Fraudar impostos;
  • Mentir;
  • Se beneficiar do problema de alguém;
  • Promover uma intriga para obter um ganho pessoal. 

Você saberia dizer o que é imoral e o que é antiético? 

Saberia distinguir entre o que é Ética e Moral?

Experimente definir Ética e Moral e em seguida verifique se seu entendimento corresponde aos conceitos de fato.

Ética e Moral estão diretamente associadas. Ambas dizem respeito ao modo como lidamos com o outro, aos costumes. A ética se constitui de princípios voltados para o bem comum. Ou seja, é a reflexão acerca dos princípios que irão nortear as relações humanas de modo justo e equânime. A moral, por sua vez, é o conjunto de hábitos, condutas e normas que constituem o padrão de um grupo social em determinada época, lugar ou mesmo classe social. Assim, moral são as normas de comportamento pertencentes a um grupo e ética os princípios norteadores destas normas, ou em outras palavras, os valores ideológicos que fundamentam a moral.

Desta forma:

Alguém é moral ou imoral na medida em que acata ou transgride as normas de seu grupo.

Alguém é ético ou antiético na medida em que fundamenta suas ações em princípios que consideram ou desconsideram a equidade, o respeito ao outro e a justiça. 

Por exemplo: Roubar é imoral (vai contra as normas de conduta de nossa sociedade). Roubar é imoral, porque consideramos que ninguém tem o direito de retirar o que é de outro contra a sua vontade (valor ideológico ético que fundamenta o comportamento moral).

  • ARANHA, Maria L. de Arruda; HELENA, Maria P. Martins. Filosofando: introdução à filosofia. Ed. Moderna, 2009.
  • BOHADANA Estrella; SKLAR, Sergio. Lições introdutórias de filosofia e educação. Rio de Janeiro: CTRL C, 2007.
  • FERRATER MORA, José. Diccionario de filosofia, tomo I. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1971. 1072 p.
  • GUATTARI, Félix. As três ecologias. Papirus, 1993.
  • MORA, J. F. Diccionario de filosofia. Alianza Editorial, 1982.
  • MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Bertrand, 1996.
  • NOVAES, Adauto (Org.) Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
  • PRIGOGINE, Ilya. O Fim das certezas. UNESP, 1996.
  • SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. 22 ed. 302p.
  • SCHELER, Max. Da reviravolta dos valores. Petrópolis: Vozes, 1994.
  • SILVEIRA, Antônio Maria. Caos, acaso e determinismo. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995.
  • SKLAR, Sergio. Ética: Conceito, história, essência e objeto. Dimensões éticas em bioética. In: RAMOS, Dalton; FRANÇA, Luiz Paulo de, SKLAR, Sergio. Ética na saúde. Rio de Janeiro: GEN/Grupo Editorial Nacional, Programa do Livro Universitário (Estácio Ensino Superior), 2008.
  • OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e práxis histórica. São Paulo: Ática, 1995.
  • WEIL, Pierre. A nova ética. Rio de janeiro: Rosa dos Tempos, 1994.

Nenhum comentário:

Postar um comentário