sexta-feira, 8 de março de 2013

ÉTICA NA SAÚDE - ÉTICA E REPRODUÇÃO HUMANA

Aula 5: Ética e reprodução humana

Introdução 

Veremos nesta aula de que modo as novas tecnologias na área de saúde trazem, junto com seus inegáveis benefícios, uma série de novos problemas e questões éticas que necessitam ainda ser melhores exploradas.


Faremos um apanhado dos principais pontos de vista  acerca do conceito de “início da vida humana” e analisaremos suas implicações em todos os temas relacionados à reprodução humana.
Conheceremos ainda alguns princípios da Bioética associados à reprodução humana assistida e as principais legislações a respeito deste tema.

Faremos algumas considerações a respeito das possíveis equivalências entre os aspectos éticos envolvidos na adoção e da reprodução assistida 
e encerraremos a aula com uma análise ética do aborto, atualmente um dos temas mais sensíveis e polêmicos da Bioética.

Novas tecnologias

Sempre que a tecnologia avança, seja em que campo for, ela trás consigo outros fatores paralelos à evolução do conhecimento. O mais pragmático destes fatores está no próprio uso destas novas tecnologias. Assim como o laser pode ser usado para curar, pode também ser utilizado para fins bélicos. Não podemos confundir a tecnologia em si, com o uso que se fará dela.

O fato é que novas tecnologias implicam em novas ferramentas que podem alterar hábitos, eliminar ou transformar comportamentos, inaugurar novas possibilidades e uma série infindável de ações que se transformam em função delas.

Os frequentes avanços tecnológicos na área da saúde se, por um lado, têm propiciado imensos benefícios para a sociedade, por outro lado, têm também feito surgir novos problemas e questões éticas a serem discutidas e consideradas. Novas questões que surgem a partir de novas possibilidades de intervenção do homem sobre os fatos.

Assim tem sido em relação às alternativas de manipulação genética, no desenvolvimento de técnicas de transplantes e também nos aspectos relacionados à fertilização e reprodução humana. 

Estes procedimentos levantam não apenas questões éticas individuais, relativas aos direitos da pessoa e ao modo como pretendem se beneficiar destas tecnologias, mas também nos incitam às questões relativas à saúde coletiva, na medida em que, em geral, estas tecnologias vêm associadas a novos instrumentos de diagnóstico e tratamento e, por isso, implicam em princípios de justiça e alocação de recursos na área de saúde que, normalmente são escassos e caros.

Vida humana

As questões éticas envolvidas nos procedimentos ligados à reprodução humana abarcam uma série de aspectos, mas seu conceito básico é: o objetivo da reprodução é a geração da vida.

O que pode ser considerado “vida humana”?

Em que momento a vida biológica deve ser reconhecida como pessoa?

Para a Igreja católica:

1987


A Igreja Católica possui um extenso documento intitulado “Instrução sobre o respeito à vida humana em suas origens e a dignidade da procriação em resposta a determinadas questões da atualidade” . Neste documento (Donum Vitae) datado de 1987, fica formalmente estabelecido que, pela perspectiva da Igreja, o início da vida humana se dá no momento em que ocorre a fecundação.



2008

Mais recentemente, em 2008, publica outro documento sobre aspectos de Bioética ligados à dignidade humana onde reforça este entendimento e considera como lícitas as tecnologias de fertilização que auxiliam os casais a procriarem desde que estas respeitem a preservação do ato procriativo em si e considera moralmente ilícitas as tecnologias que dissociam a procriação do ato sexual como a criogenia ou a fecundação “in vitro”.



Além da perspectiva eclesiástica há ainda outros critérios de abordagens mais direcionadas aos aspectos do desenvolvimento embrionário. Alguns destes critérios vinculam o início da vida humana:

  • Ao início dos batimentos cardíacos (3 a 4 semanas).
  • Ao início da atividade neocortical (12 semanas).
  • Ao aparecimento do ritmo sono-vigília (28 semanas).
  • Ao surgimento da atividade do tronco cerebral (8 semanas).
  • Ao surgimento dos movimentos respiratórios (20 semanas).
  • Há ainda quem defenda que o ser humano se caracteriza apenas a partir do surgimento da consciência e do “comportamento moral” (18 a 24 meses pós-parto).

Reprodução assistida

Independente da questão da gênese do ser humano, talvez o mais importante tema ético da atualidade no que se refere à reprodução, seja mesmo o debate sobre os procedimentos de reprodução assistida. J. Goldim relata que desde o século XVIII já existem relatos médicos sobre a tentativa de realização deste tipo de intervenção.


No entanto, apenas em 1978, com o nascimento de Louise Brown (que ficou notoriamente conhecida como o primeiro “bebê de proveta”) na Inglaterra, as técnicas de fertilização “in vitro” chegaram ao conhecimento do grande público e também ganharam mais interesse nas pesquisas médicas especializadas.

O nascimento desta criança foi de tal importância para o desenvolvimento cientifico e tecnológico na área da saúde que foi instituído na Inglaterra, em 1981, um comitê de investigação sobre fertilização humana e embriologia (Committee of Inquiry into Human Fertilization and Embriology), vinculado ao Ministério da Saúde britânico com o objetivo de desenvolver um relatório sobre as implicações éticas, sociais e legais provenientes da utilização desta nova biotecnologia.

O resultado deste comitê foi a publicação, três anos após sua instalação, do chamado Relatório Warnock (em referência a Mary Warnock, presidente do comitê). Grande parte dos aspectos da Bioética e do Biodireito atuais é pautada no texto deste relatório.

A partir da década de 90 as sociedades médicas mundiais passaram a inserir diretrizes éticas relativas às tecnologias de reprodução em suas normatizações. No Brasil, em 1992, o Conselho Federal de Medicina, seguindo as mais avançadas legislações mundiais e igualmente fundamentado no Relatório Warnock, instituiu com a Resolução CFM 1358/92, as Normas Éticas para Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida. 

Atualmente, está em vigor a Resolução CFM 1957/2010 que revoga a anterior (após 18 anos) alterando alguns poucos aspectos, dentre os principais a substituição do termo “pré-embriões” por “embriões” e a introdução de um item que afirma que: “Não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do (a) falecido (a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente”.

Uma série de ramificações temáticas de cunho ético está associada, de modo mais ou menos direto à questão da reprodução assistida. Existem aspectos éticos vinculados ao:

  • Consentimento informado.
  • Seleção de sexo da criança.
  • A doação de espermatozoides, óvulos, embriões.
  • A seleção dos embriões com bases na evidência da possibilidade de doenças congênitas.
  • A maternidade substitutiva.
  • A clonagem.
  • A criopreservação de embriões.
E muitos outros.

Ainda que em função de todos os avanços do Biodireito, tenhamos hoje uma legislação bastante rica em relação ao tema, as consequências éticas, legais e mesmo tecnológicas da fertilização "in vitro" ainda precisam ser bem melhor definidas em muitos aspectos. 

A questão da doação de gametas, por exemplo. 
A Resolução CFM 1957/10 institui que a doação deve preservar o anonimato entre receptores e doadores. O argumento principal é de que isso evitaria problemas futuros relativos às situações emocionais e legais com repercussões no desenvolvimento psicológico da criança. Esta perspectiva, no entanto, também não é consensual. Enquanto alguns especialistas acreditam que ela permite aos pais criar seus filhos exclusivamente em função de suas influências socioculturais, outros discordam e afirmam que o desconhecimento da origem genética interfere na completa percepção de sua identidade pessoal.

Em alguns países o anonimato não é obrigatório e ainda assim, não há uma posição técnica definida em relação aos benefícios ou não deste sigilo para o desenvolvimento psicossocial da criança e/ou para o acompanhamento clínico de futuros problemas congênitos que venha a apresentar.

Outra questão associada à reprodução assistida envolve a possibilidade de gestação em casais homossexuais femininos. A legislação autoriza que mulheres utilizem sêmen doado para gestação independente da existência de vínculo familiar formal. 

Há, no entanto, intenso debate ético neste aspecto, que envolve o conceito de família, a admissão do casamento entre homossexuais e a equivalência de procedimentos para adoção e fertilização.

No Brasil, assim como em muitos outros países, a adoção de crianças por homossexuais tem sido admitida legalmente, o que indica também a tendência à aceitação da fertilização assistida para casais homossexuais femininos. Desta forma, por uma perspectiva ética, seria lícito estabelecer uma equivalência entre o que poderia ser chamado, segundo Goldim, de “fertilização legalmente assistida” (adoção) e a fertilização assistida pela concepção médica de intervenção clínica no processo.

As questões éticas envolvidas seriam então, fundamentalmente as mesmas:

  • Até onde deve ir a intervenção do Estado em adoções ou doações de gametas (espermatozoidese óvulos) feitas de modo informal (algumas com forte apelo comercial)?
  • É moralmente ética a seleção de características físicas das crianças por parte dos futuros pais adotivos ou fertilizados?
Estes são apenas poucos exemplos das reflexões éticas envolvidas na questão da equivalência de procedimentos entre a adoção e a fertilização.


Aborto

No sentido inverso da reprodução como criação da vida, o aborto se associa a ela pelo enfoque conceitual ou ideológico do princípio da vida humana e de quando a interrupção gestacional é simplesmente um procedimento clínico e quando passa a ser um crime contra a vida.

Existem condições previstas na legislação brasileira para a autorização de abortos legais (estupro e risco de vida materno) e propostas que flexibilizam estas condições estendendo-as à existência de anomalias fetais que implicam na possibilidade de doenças congênitas graves e irreversíveis (anencefalia, por exemplo).

Naturalmente que todas estas motivações ou condições, independente de aspectos legais, são profundamente conflitantes em termos éticos, pois implicam no direito a impedir o desenvolvimento da vida em função de critérios nem sempre absolutos.

O código penal brasileiro, que em seu artigo 128 desqualifica o aborto como crime em caso de gestação proveniente de estupro não especifica até que momento da gestação esta pode ser interrompida.Também não estabelece os procedimentos legais necessários para a qualificação comprovada do estupro.
Assim, a existência de um boletim de ocorrência policial contra um suposto sujeito desconhecido pode facilmente promover uma autorização legal para o aborto. Isso, sem ainda considerarmos as mais de 3.000 liminares concedidas para o abortamento legal em função de anomalias fetais.
Os debates éticos a respeito do aborto estão longe de ser encerrados e tanto na esfera jurídica quanto filosófica dificilmente encontraremos consenso em um aspecto que depende tão diretamente de valores morais, religiosos e culturais.

O fato é que, existe uma premência neste tema que não pode aguardar as conclusões ideológicas dos debates. Esta premência é o imenso número de mulheres que todos os dias recorre a abortos em locais impróprios e profundamente arriscados do ponto de vista da preservação de sua própria integridade em função dos impedimentos legais de recorrerem ao sistema oficial de saúde.

Independente de qualquer valor, esta é uma realidade que não pode ser ignorada e que transforma a questão do aborto não apenas em um dos temas mais delicados e polêmicos da Bioética como também, cada vez mais, em uma questão de saúde pública.

ATIVIDADE PROPOSTA

“As estatísticas são pouco confiáveis, mas os especialistas admitem que sejam realizados anualmente cerca de um milhão de abortos clandestinos no Brasil. As complicações decorrentes de abortos malfeitos, sem condições de higiene ou segurança, representam a quarta causa de morte materna. Cerca de 200.000 mulheres morrem em consequência de hemorragias e infecções. O cenário foi bem pior em um passado não muito distante. Na década de 80, os abortos clandestinos podem ter chegado a 4 milhões por ano. Uma série de fatores se combinou para reduzir esse número. Os mais efetivos foram o aperfeiçoamento dos métodos anticoncepcionais e a disseminação no país de políticas de planejamento familiar”.

Baseado no parágrafo acima selecione as alternativas que relacionam corretamente esta questão de Saúde Pública e a legislação sobre o aborto no Brasil.

(  )  A legislação criminaliza o aborto fora dos casos previstos de risco de vida materno ou de gravidez consequente de estrupo, mas na prática essa penalização ocorre em raríssimos casos, ficando a cargo das mulheres ou (do casal) a decisão particular de efetuar ou não a interrupção da gravidez.

(  )  O aborto é executado de modo ilegal nas mais diferentes condições de higiene e segurança. Desde clínicas caras e muito bem aparelhadas para as classes mais favorecidas, até os lugares mais sórdidos e insalubres possíveis.

(  )  A ocorrência de aborto em números exorbitantes demonstra a urgência em se estabelecer, além de uma melhor política de controle e planejamento familiar, também uma legislação que regule esta prática de modo menos ideológico e mais voltado para a segurança da população.

Todas as alternativas acima citadas estão corretas!!!

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